12 dezembro 2018

A Formação Geral da UFSB em 2018: reforma ou desconstrução?

Na UFSB todos os estudantes ingressantes em quaisquer de seus cursos, que se iniciam por Bacharelados Interdisciplinares (BIs) ou Áreas Básicas de Ingresso - Licenciaturas Interdisciplinares (ABI-LI) estudam um primeiro ano todos os Componentes Curriculares praticamente idênticos, independentemente das áreas de ingresso.
Essa inovação no Projeto Pedagógico dessa UNIVERSIDADE NOVA, tem um nome: FORMAÇÃO GERAL.
E tem uma enorme importância para aqueles que acreditam em uma UNIVERSIDADE NOVA, paulofreiriana, anisioteixeiriana, comprometida com o território onde se instala e que deve se pautar por repensar as travas das universidades tradicionais. Tem o "interdisciplinar" nos nomes dos cursos, mas almeja a transdisciplinaridade ciente das necessidades do século XXI.
Como funciona essa FORMAÇÃO GERAL da UFSB?

1. Inicialmente, presentamos para os estudantes de todas as áreas do conhecimento da UFSB (artes, ciências, humanidades, saúde e educação) um conjunto de conhecimentos e práticas de ensino-aprendizagem que se preocupam em não isolar os campos do saber em caixinhas disciplinares e limitadas. Por isso as turmas de estudantes são obrigatoriamente mescladas.
2. Os Componentes Curriculares (CCs, não dizemos "disciplinas" por aqui) têm denominações criativas e inusitadas, lançando a dúvida, realçando a incerteza, inovando nas velhas denominações como "Cálculo I, II e III", "Introdução a isso ou aquilo", ou mesmo que tenha os nomes repetidos, a inovação vem com um mix de abordagens históricas, científicas, artísticas, tecnológicas, com respeito às origens e conhecimentos que os estudantes trazem em si próprios, a diversidade étnico-racial e social da comunidade acadêmica. São CCs como: Matemática e espaço; Experiência do Sensível; Campo da Saúde: saberes e práticas;  e outros.
3. Os nossos professores são instados a recepcionarem os estudantes colocando a importância de se ampliar a visão além da formação disciplinar e romper com as, geralmente, obcecadas e determinadas certezas pela obtenção de um diploma profissional.
4. Como estratégia pedagógica é o momento não somente de ensinar, mas ensinar a aprender. Mais do que aprender com professores, é aprender como superá-los. Em vez de responder perguntas contidas nos conteúdos das disciplinas, o estudante deve ser desafiado a pesquisar e criar as suas próprias perguntas, ainda que fiquem sem respostas, como é desafiante o entendimento do cérebro humano.
5. Busca-se incentivar e provocar as práticas coletivas, de estudos, pesquisa, atividades de campo, produtos finais de CCs com formatos multimidiáticos.
6. A FORMAÇÃO GERAL é, sobretudo, um estágio de construção de um estudante de ensino superior, com generosidade para contribuir com a PERMANÊNCIA estudantil, a afiliação à essa estrutura tão distinta e numa fase da vida tão complicada de um ser humano em crescimento.

Acredito que não seja fácil para os estudantes, nem para os professores essa forma que a UFSB propõe para se iniciar um curso superior.
Percebi ao longo dos últimos 11 anos (desde meu ingresso na Universidade Federal do ABC em 2007, e desde 2014 na Universidade Federal do Sul da Bahia, em Itabuna) que existem ENORMES  resistências por todos os lados.
De todas, a maior é, sem dúvida, a existência de uma parte dos docentes que não estão acostumados com esse regime. Estrutura essa que não apresenta a rigidez que experimentaram nas universidades onde foram graduados. Universidades tradicionais que esses professores acreditam que seja um "modelo de sucesso"!
Agregue-se a isso a tentação pela reprodução do modelo disciplinar que também é mais cômoda, posto que já é dominada pela própria experiência pregressa.
Em consequência, a FORMAÇÃO GERAL da UFSB provoca nesses docentes a insatisfação com o processo formativo dos seus próprios estudantes ajudando a neles alimentar uma sensação de que esse primeiro ano vivido na UFSB é de extremada perda de tempo, além de ser impeditivo para o desenvolvimento de profissionais, cientistas, pesquisadores, uma vez que, acreditam, esse período deveria servir para "elevar o nível" dos estudantes que "vêm despreparados do ensino médio".
Creio que essa insatisfação tenha sido levada às últimas consequências com uma iniciativa que teve início em 2018 com a mudança de regras que alteraram a concepção dessa FORMAÇÃO GERAL e que prosseguiu com a iniciativa de desmontá-la, desconstruí-la, a partir de oferta de trilhas paralelas e alternativas à interdisciplinaridade anteriormente, e às duras penas, colocada de pé.
Não é nada sutil a aproximação com a universidade tradicional e suas arcaicas concepções de formação de nível superior para o presente século.
Esse movimento retrógrado procura oferecer um itinerário vertical aos estudantes para que enxerguem lá na frente o diploma universitário sob a justificativa de tornar a universidade mais atrativa e mitigar a evasão.
É de se lamentar que possa ter durado tão pouco tempo (menos de 5 anos) essa experiência, como algumas outras que tentaram renovar profundamente o ensino superior em nosso país.
Sinto o soprar de ventos sinistros que acompanham a conjuntura política nacional e planetária.

Para não perder totalmente a esperança, convido aos que tiveram a curiosidade despertada nesse pequeno texto, a navegar em alguns blogs de estudantes cujos links estão nas abas lá em cima, e que registram algumas práticas resultantes dessa FORMAÇÃO GERAL (pelo menos até dezembro de 2018).

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